quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Poesia, Prosa & Entrelinhas

Gisele Lemos













João Cabral de Melo Neto, (1920-1999), poeta, diplomata pernambucano, lancou uma nova forma de fazer poesia no Brasil, com utilizacao de rigor poetico e rimas  toantes.  Membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Letras.  Conviveu com Manuel Bandeira e Gilberto Freire, seus primos.  Para o poeta “a poesia não é fruto de inspiração em razão do sentimento”, mas de transpiração: “fruto do trabalho paciente e lúcido do poeta”.



João Cabral e sua primeira obra, Pedra do sono (1945) nos remete  a imagem surrealista do autor e sua objetividade.  Morte e vida severina é sua obra mais popular.

Apresento duas de suas poesias.

O Relógio


Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.
Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.


Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.
Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;


e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade.
A Educação pela Pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.





 





Pintura Os relógios derretidos de Salvador Dalí







Tic Tac

Gisele Lemos

Soletro contos entre vereda
Maré de solidão por mim interceda
Navego rios e descasos
Lança-chamas aos ouvidos
Murmúrios e desmazelos admitidos,
Escuta a penumbra de acasos.
Admitir que erramos nas escolhas,
Melhora o tic-tac do coração que aguerrilhas.