terça-feira, 1 de novembro de 2016

A “sombra” como aliada

Marciah Lustosa


Alguns pensamentos, emoções e ações, que delineiam nossa personalidade, são companheiros na caminhada da vida, nos seguem, dão estrutura, nos identificam, mas também nos incomodam.
São partes de uma pessoa os seus medos, as aflições, traumas e certezas das quais, por vezes, não se sente orgulho e que, por determinadas características, também não ajudam na socialização, nas relações profissionais e, ainda, nas relações interpessoais de um modo geral. Uma pessoa, por exemplo, que tenha visão crítica, impaciência, raiva ou outras partes que podemos chamar de “sombras”, guarda tais traços de personalidade como segredos os quais devam ser escondidos a sete chaves. Quando isso acontece, percebemos um esforço dessa pessoa em questão, que invariavelmente se traduz em cansaço, tristeza e até mesmo estresse, ao tentar fazer com que seus “segredos” ou ”sombras” não sejam descobertos. No fim do dia, bem cansada, fica a dúvida: será que realmente conseguiu disfarçar, esconder dos amigos, dos pais ou patrões tais traços pessoais? E se conseguiu, até quando?
Às vezes, durante o trabalho, esses detalhes da personalidade que tentamos afastar ou esconder nos traem, ganham vida e arrebatam pessoas e corações desavisados. Saem em forma de exasperação, gritos, acessos de raiva, verdadeiros “pitis“. E ferem indivíduos que não sabiam de sua existência. Ferem também a própria pessoa, constrangem. Afinal de contas, quando escondemos as “sombras”, pretendemos manter distância segura e as deixamos cair no esquecimento, não é verdade?
Pois bem, lá, mesmo escondidas, essas nuances da personalidade ainda são elementos vivos e como tal crescem, transformam-se, multiplicam-se, movimentam-se, reagem, e talvez por isso incomodem tanto.

A pergunta é: até quando conseguiremos escondê-los? Onde será o seu lugar seguro? Para quem iríamos revelá-los ou para quê? Quem aceitaria ouvir que temos tais traços de personalidade sem se assustar, sem julgamento, sem querer transformá-los de antemão?
Vejam que o contrário acontece com os bons pensamentos, esses, repetimos em todas as ocasiões possíveis. As ações das quais nos orgulhamos, não cansamos de apresentar e reapresentar em sociedade, no trabalho, nas relações familiares e afins. E assim colhemos benefícios, aceitações, elogios, até premiações!
Mas voltemos a pensar no fim do dia quando recostamos a cabeça no famoso travesseiro e nos perguntamos se estivemos inteiros nas relações diárias, se fomos verdadeiros. Nem sempre a resposta é positiva. Não mesmo!

O que fazer? Como não entristecer ao nos analisarmos? A autocrítica em alguns casos pode ser arrasadora.
Portanto aqui vai uma dica: olhe para suas imperfeições, suas “sombras”, com carinho. Liste-as, identifique cada uma, dê-lhes nomes. Quanto mais conhecemos e reconhecemos tais traços pessoais, menores as chances de nos surpreendermos, e aos outros. Desta forma estamos jogando luz neste lugar secreto. Em seguida pense em como minimizar sua força, melhorar a sua atuação contando com tais características. Um foco de luz trará delineamento, revelações, novos significados. Assim, você dará chance a si de ser assertivo nas ocasiões em que tais emoções emergirem. O esconderijo em que havia “sombras” como agressividade, ironia, orgulho ou inveja, por exemplo, não precisará mais existir se considerarmos como partes nossas e que encerram uma força em si. E não podemos desperdiçar forças, concorda? A sensação de raiva, se bem administrada, é um dínamo capaz de funcionar nos tirando da paralisia, por exemplo. Considere, então, que somos mais que partes boas ou ruins, somos reais, o que precisamos é reintegrá-las. Com esse novo olhar para todas as partes, uma a uma, há um ambiente propício ao diálogo interno, e cabe a nós ouvi-las em interação e encontrar suas verdadeiras funções, adequar suas dimensões e recolocá-las em vida, expostas novamente.  

É certo que precisamos reavaliar tais sombras para dar-lhes um novo significado. Revisitá-las, resgatá-las e pensar em sua nova adequação em sociedade, visualizar a origem e até chegar à novas conclusões fará de você uma pessoa mais feliz. É um exercício que pode nos fazer muito bem e transformar cada parte, trazendo inteireza, completude, uma grande liberdade. Se precisar de ajuda, procure um profissional.