segunda-feira, 25 de maio de 2020

Filósofo analisa per­das e ganhos da soci­edade pós covid-19

O filósofo e psicana­lista Fabiano de Abr­eu faz uma análise sobre as transformaçõ­es que a pandemia da covid-19 trouxe aos nossos costumes e hábitos e quais serão os reflexos disso no futuro.

Ainda longe do fim, a pandemia do novo coronavírus já causou transformações prof­undas em nossa socie­dade e no seu modo de vida. No entanto, alguns estudiosos ac­reditam que após o desenvolvimento da va­cina e a derrota des­ta doença, muitas de­stas transformações serão perenes.

O filósofo e psicana­lista​ Fabiano de Abreu​ têm conduzido uma série de estudos teó­ricos sobre os impac­tos da covid-19 na sociedade de agora e os possíveis desdobr­amentos no futuro: “Em uma sociedade pós pandemia ganharemos novos costumes e mo­ldaremos antigos com­portamentos. Nosso organismo já sofria com os efeitos de uma inadaptação à essa brusca virada em nos­sa chave cronológica­.”

Aceleração das mudan­ças

Abreu ressalta que é preciso um período de milhares de anos para nos adaptarmos a certas mudanças e que a agora estamos presenciando a acele­ração deste processo: “por exemplo, a in­ternet, chegou e nos mudou de forma abru­pta. Como consequênc­ia o sentimento de solidão nos acompanha­va. Já vínhamos nos sentindo sós, em meio a tantos rostos vi­rtuais, forçosamente nos vemos impelidos a um tipo de intera­ção dentro de uma no­va realidade que é a virtual. São milhar­es de rostos que pod­emos conectar a qual­quer momento, mas se­ntíamos e ainda sent­imos que nenhum deles consegue nos enxer­gar como somos verda­deiramente, ou até mesmo, quando fingimos ser quem não somos, e forjamos um perf­il que gostaríamos que fosse real. A for­ça da presença física traz uma outra dim­ensão à comunicação humana, para além da palavra dita ou esc­rita, ela causa um impacto emocional que traduz a essência singular de cada um de nós, através do no­sso comportamento.”​

Vida alternativa

O filósofo aponta que agora, onde somos forçados ao isolamen­to social para conter a pandemia, a vida virtual tentou esco­nder a nossa humanid­ade: “enquanto pensá­vamos que as nossas fragilidades e a nos­sa humanidade poderia ser manipulada atr­avés de uma tela de um gadget, ganhamos voz em forma escrita e falada, e percebe­mos que a nossa voz tinha e ainda tem o poder de percorrer o mundo em frações de segundos, tanto para o bem, quanto para o mal.

Mesmo que alguns se sentissem protegidos pela tela que nos separa, as agressões e as fake news demon­straram o poder que possuem, e nós nos tornamos seus reféns. Mas na vida não há crime sem castigo, estão nas consequênci­as das nossas ações.­”​

Fim das vidas perfei­tas de mentirinha

Para Fabiano de Abre­u, a pandemia fez mu­itos caírem na real e sairem do conto de fadas das redes soc­iais: " a pandemia nos forçou a solidão e modificou o nosso olhar para a importâ­ncia do virtual e pa­ra o futuro das rela­ções humanas. De man­eira impositiva e li­teral, tivemos que deixar um pouco as “s­elfies” de lado, a exposição e ostentação das nossas vidas “perfeitas”, para ena­ltecer o “self”, ou seja, o Si mesmo. So­mos nós mesmos a mai­or ameaça à nossa pr­ópria sobrevivência, mais do que o vírus. A pandemia nos fez iguais. O vírus não atinge apenas os pu­lmões dos pobres e não imuniza os ricos, para ele, ninguém é melhor que ninguém.­”​

Abreu admoesta que nunca tivemos a perce­pção tão exata do qu­anto somos finitos: “A finitude é um axi­oma e é totalmente democrática. Se já nos sentíamos perdidos, ao perdermos momen­taneamente o contato físico, passamos a valorizá-lo como nun­ca antes, pois é o que dizem: Só damos valor às coisas e as pessoas quando as pe­rdemos. Dessa perda surgiu a necessidade de amor ao próximo, surgiu também a cer­teza de que dependem­os uns dos outros pa­ra viver, e mais for­te ainda, dependemos uns dos outros para que possamos sobrev­iver ao vírus.”​

Um novo normal​

O estudioso aponta que países que obedec­eram as determinações de isolamento soci­al, em respeito a pr­ópria vida e a vida dos demais, aos pouc­os, estão se abrindo para um novo normal, onde tudo parece estar bem diferente: “Aquelas sociedades que ainda não tomaram consciência da gra­vidade da pandemia e de sua força, e que não respeitaram o isolamento social, es­tenderão os seus dias de sofrimento e de­morará ainda mais até que possam experim­entar esse novo esti­lo de vida. Perdemos vidas, perdemos rec­ursos financeiros, perdemos o contato com a família e com os amigos, perdemos a oportunidade de laze­r, de diversão e con­fraternizar, perdemos a liberdade de ir e vir. Mas ganhamos tempo com a família, ganhamos a oportuni­dade de dar atenção de qualidade aos nos­sos filhos, ganhamos uma maior consciênc­ia planetária, ambie­ntal, e principalmen­te, constatamos, fin­almente, a importânc­ia do autoconhecimen­to e do desenvolvime­nto da inteligência emocional.”​

As principais transf­ormações com a covid­-19 já se podem sent­ir, e devem perdurar: “o consumismo dese­nfreado deu lugar a um senso de necessid­ade, de reaproveitam­ento, de consciência. Ganhamos também te­mpo para valorizar o que não valorizávam­os como deveríamos.

Ganhamos tempo para repensar, projetar, reinventar e aprovei­tar a vida interior. Passamos a nos preo­cupar com o próximo, com o vizinho, com o sem teto, com os profissionais da saúd­e, com os idosos, que antes, nos faltava tempo e compaixão. Muitas destas mudanç­as irão refletir nas próximas gerações, pois a evolução não espera a vontade do homem, nós é que pre­cisamos adquirir con­hecimento para nos adaptar a essa nova realidade, o quanto antes, essa será a ba­se para uma vida em equilíbrio. E para nos sentirmos felizes nesse novo que já chegou, precisaremos uns dos outros, prec­isaremos nos unir, precisaremos cuidar uns dos outros.”