OBSCURANTISMO?
FALA SÉRIO!
Percival Puggina
Bastou
alguns membros do futuro governo fazerem referências espontâneas a Deus para um
novo adjetivo ser acrescido aos que, de hábito, lhe são lançados. Houve gente
que surtou, escandalizada. O governo de Bolsonaro, antes de assumir, já era
acusado, em tom grave e teatral, ou a gritos histéricos, de ser misógino,
machista, fascista, nazista, homofóbico e racista. Com as imperdoáveis menções
a Deus, passou a ser injuriado, também, como obscurantista. Tem gente tão
“empoderada” de si mesmo que não admite concorrência.
O que
dirão é sabido. Doravante, aconteça o que acontecer, inclusive nada, dará vazão
à descarga de adjetivos que marcou as incompetentes campanhas eleitorais dos
candidatos Geraldo Alckmin e Fernando Haddad. O xingamento foi tanto que deu
rebote. Primeiro derrubou o tucano e, depois, o petista. Tudo que é demais
enjoa ou enoja.
Agora, é
como se os derrotados do pleito de outubro estivessem a dizer: “Deus que não se
meta com o Brasil. Aqui já o descartamos há bom tempo e os resultados são
ótimos. Temos um estado laico que ainda vamos transformar em laicista e pusemos
em curso um excepcional projeto de engenharia social que prescinde inteiramente
de qualquer transcendência ou elevação acima da vulgaridade. Especialmente no
terreno moral. Nossos padrões de conduta evoluem naturalmente e a harmonia
social está em plena construção. Perdemos, "logo", a democracia está
em risco. Voltaremos”. Credo!
Quando os
opositores do futuro governo atribuem a ele caráter obscurantista, é como se
dissessem que os longos anos de aplicação dos projetos de esquerda, com os
governos do PSDB e do PT, nos tivessem erguido a um resplandecente iluminismo e
a humanidade caminhasse, aqui, em direção ao nível mais alto a que se possa
chegar pela estrada do saber.
A que
podemos atribuir, leitor amigo, tão nítido descolamento da realidade? Como pode
alguém ufanar-se da mentira e da falsidade? Quando entenderão que a nação já os
entendeu e disse – Basta! – ao descaminho em que se extraviou? Tutelando-nos como tutelaram e confiando o
Estado a consecutivos projetos errados, jogaram-nos nas trevas. Nas trevas das
mais variadas formas de insegurança; das ruas tomadas pelas chagas do desemprego,
da pobreza e da criminalidade; do endividamento público e privado; da ruína
moral da corrupção; do recrutamento de nossa juventude pela ignorância, pelas
drogas, pelas cracolândias e pelo crime. Obscurantismo é isso. E a isso não
queremos voltar.
Que
estranho período de luzes teria sido esse, com nada menos soturno a apresentar,
mas a proclamar-se ameaçado pelo “obscurantismo” do futuro governo? O que nos
dizem de suas escolas? Do péssimo desempenho de nossos estudantes? De não
termos uma sequer de nossas aparelhadas universidades entre as 200 melhores do
mundo? Do atraso tecnológico e de ocuparmos lugares tão ruins em quaisquer
rankings internacionais?
Não, não
se trata de ir para trás, mas de recuperar o que se perdeu no caminho por onde
nos trouxeram. Trata-se de não aceitar que uns poucos imponham a todos a
obrigação de pensar, falar e tomar decisões segundo sua cartilha, vivendo como
se Deus não existisse.
* Percival Puggina (73), membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.