Dr. Fabiano de Abreu, neurocientista e jornalista científico detalha os riscos do jornalistas em doenças como AVC e fadiga.
A
dinâmica mundial vem mudando. O ano passado foi um corte radical com o
quotidiano e as mudanças foram ainda mais profundas e visíveis. O
acumular de trabalho, de uma rotina diária extenuante, um estado de
alerta constante tanto pelo momento que vivemos como pela profissão em
si, faz com que os jornalistas sejam mais propensos a certas maleitas.
O neurocientista e jornalista Fabiano de Abreu mostra como uma rotina atribulada pode causar sérios danos à saúde mental e física destes comunicadores.
"Não
é segredo para ninguém que os profissionais da imprensa precisam
atender a um grande volume de informações e estar sempre um passo à
frente dos acontecimentos para cobrir as mais diversas situações que se
desenrolaram por conta da pandemia. Afinal, um dos pontos mais
estressantes da profissão é a necessidade de conseguirem o "furo" da
notícia, aquela que ninguém publicou, aquela exclusiva, e para isso,
eles precisam se colocar em risco para entregar resultados diários.",
Inicia.
Além de uma vida diária estafante, há
outros fatores negativos que podem ser somados ao repertório, como a má
remuneração e o estresse do trabalho árduo. Conjugando todos estes
fatores, o neurocientista Fabiano de Abreu alerta que tudo isso pode
levar a um alarmante processo de desequilíbrio que culminará no
desenvolvimento de doenças como o AVC e a fadiga crônica. "Ser
jornalista é como brincar de roleta russa, eles nunca sabem o que os
esperam, e o tiro pode ser fatal", destaca.
Segundo
Abreu, "podemos comparar com o trabalho no mercado financeiro, na bolsa
de valores, onde a pressão por resultados é alarmante, e os gritos
surgem de todos os lados. Afinal, a cobrança do jornalista não vem
apenas da audiência, mas também da velocidade com que precisam entregar
as informações e apurar tudo para não passarem notícias falsas ou
erradas. Por isso, em seus cotidianos, recebem uma enxurrada de
informações e precisam estar atentos a todo instante", explica o
neurocientista.
O caso mais recente de um
comunicador vítima de estresse foi o do apresentador da Rede RT, Marcelo
Bennesby, de 53 anos. Ele sofreu um princípio de Acidente Vascular
Cerebral (AVC), e passou por uma cirurgia após passar mal, com fortes
dores no peito, dor de cabeça e mal-estar no primeiro dia deste ano. Ele
ainda está internado.
Em 2015, a repórter Leniza
Krauss também sofreu um AVC enquanto cobria uma matéria policial para a
Rede Record. Ela tinha apenas 37 anos na época. Após o ocorrido, ela
decidiu pedir demissão e não se arrependeu. Em entrevista ao UOL, ela
disse: "Combinei comigo mesmo de ser menos estressada".
Existem variados fatores que levam ao estresse e devemos saber diferenciá-los e tentar controlá-los.
Há
dois fatores cruciais que podem levar os jornalistas a desenvolverem
essas doenças, destaca Fabiano de Abreu: "Um deles é a ansiedade que
aumenta conforme a gravidade da notícia que precisam comunicar e cobrir.
Quanto maior for o jornal, maior a demanda, e maior a cobrança por
resultados e 'furos' exclusivos". Além disso, "alguns jornalistas usam a
ansiedade a seu favor para terem um melhor desempenho, até porque ela
bem aplicada pode favorecer a criatividade. Pode até parecer estranho,
mas ela ajuda o nosso processo criativo".
Outro
problema é que, com a pandemia, não só a demanda aumentou, como também o
risco com a exposição excessiva para cobrir as notícias não é
favorável. "Não podemos ser negacionistas. A realidade enfrentada pelos
jornalistas nesta pandemia, uma doença mortal, provocou a alteração
total da nossa rotina e das nossas vidas. Ainda por cima ocasionou
mudanças em nosso cérebro, mais precisamente em nossos mensageiros
químicos", reforça Abreu.
O neurocientista explica
o que acontece no corpo quando a pessoa está sendo vítima do estresse.
Processo esse que é gradativo e cumulativo.
"Cada
meta conquistada, seja um like no Instagram, uma notícia com audiência,
um furo de reportagem, uma promoção, qualquer conquista, cada desejo
realizado faz com que nosso corpo libere dopamina, que é o hormônio da
recompensa'', destaca Abreu.
Contudo, o
nutricionista faz questão de relembrar que "a dopamina é viciante,
queremos sempre liberar mais, faz parte do instinto, se ela não
existisse não teríamos vontade de conquistar nada, o problema é que a
usamos de maneira diferente no processo evolutivo. E é nesse momento que
a ansiedade aparece, sem ela, não teríamos a pulsão para buscar a
conquista".
Isso mostra que no cenário atual,
"estamos todos vivendo níveis altos de ansiedade e os jornalistas foram
afetados tanto quanto os profissionais da saúde, de maneiras diferentes,
mas com grande intensidade. Mais ansiedade; mais doenças, risco de
vida, receio econômico, tudo isso faz ativar o instinto de
sobrevivência, no sistema límbico das emoções, na amígdala cerebral onde
estão armazenadas memórias negativas como traumas, medos, etc", indaga o
neurocientista.
É importante observar ainda que
esse sistema é necessário para que possamos saber se aquilo é perigoso
ou não para as nossas vidas: "O problema é que nosso cérebro não
distingue o ataque do leão com o medo de perder o emprego por exemplo,
na verdade, apenas varia a potência do problema", sintetiza Fabiano.
A
pandemia elevou a ansiedade, que por sua vez, ativou nosso modo
sobrevivência, que buscou memórias da amígdala, levando-as ao lobo
pré-frontal da consciência.
Dessa forma, segundo Abreu,
"Quando não resolvemos os problemas, até porque não podemos matar o
vírus e nem resolver a economia ou reaver o emprego, a ansiedade é
maximizada e o estresse passa a tomar conta de tudo. Com ela elevada,
assim como o estresse, alteram-se os níveis de cortisol, hormônio que
controla a nossa imunidade, na tentativa de eliminá-los".
Aí
que está um grande problema, salienta Abreu: "A função do cortisol é
ajudar a reduzir a inflamação do corpo, mas quando ele é constantemente
injetado, torna-se resistente comprometendo o sistema imunitário. Desta
forma ele se torna menos eficiente contra agentes externos, podendo
causar fadiga e doenças devido à baixa imunidade".
O
resultado disso é que, quando está em níveis normais no corpo, age no
controle dos leucócitos (glóbulos brancos), células do sistema
imunológico, mas com a ansiedade constante e o estresse, há um aumento
na sua produção. "Os glóbulos brancos quando produzidos em excesso podem
se acumular nas paredes das artérias, reduzindo o fluxo sanguíneo e
favorecendo a formação de coágulos, elevando o risco de doenças
cardiovasculares, entre elas o AVC", sintetiza o neurocientista.
Além
do AVC, Fabiano de Abreu cita uma outra situação perigosa para os
comunicadores: "O jornalismo é uma das profissões com maiores chances de
desenvolver a Síndrome de Burnout, por exemplo, outra doença que leva a
fadiga e a uma condição de estafa mental ligada ao estresse que pode
colocar em risco a vida do profissional".
Diante
de tantos riscos, Fabiano reforça que "é preciso que exista um cuidado
preventivo constante para jornalistas que correm riscos diários, sem
precedentes. Eles prestam um serviço necessário para a garantia da
democracia e merecem todo o nosso respeito", completa.